Esquema de Desconfiança/Abuso
Apresentação típica do esquema
Os pacientes com esquema de desconfiança/abuso têm expectativas de que os outros vão mentir, trair ou tirar vantagens deles de várias formas e, na expressão mais extrema do esquema, tentar humilhá-los ou abusar deles. Estes pacientes não acreditam que as outras pessoas sejam honestas ou sinceras, nem que tenham em consideração os seus melhores interesses. Em vez disso, mostram-se defensivos e desconfiados. Por vezes, acreditam que outras pessoas querem magoá-los intencionalmente.
Na melhor das hipóteses, sentem que as pessoas só se preocupam consigo próprias e não se importam de magoar os outros para obter o que querem; na pior das hipóteses, estão convencidos de que as pessoas são malévolas, sádicas e sentem prazer em ferir os outros. Na forma mais extrema, os pacientes com este esquema acreditam que outras pessoas querem torturá-los e abusar deles sexualmente. (Isaac Bashevis Singer [1978] escreveu sobre o Holocausto — uma expressão do esquema de desconfiança/abuso — no seu livro Shosha: "O mundo é um matadouro e um bordel" [p. 266].)
Assim, os pacientes com este esquema tendem a evitar a intimidade. Não partilham os seus pensamentos e sentimentos mais profundos com os outros e, em alguns casos, acabam por trair ou abusar de outras pessoas como forma de ataque preventivo ("Vou apanhar-lhes antes que me apanhem"). De forma geral, os comportamentos típicos incluem os de vítima e abusador. Alguns pacientes escolhem parceiros abusadores e permitem que sejam abusados física, sexual ou emocionalmente, enquanto outros se comportam de forma abusiva em relação a outras pessoas. Alguns assumem o papel de "salvadores" de outros que sofreram abuso ou expressam indignação contra pessoas que percebem como abusadoras. Frequentemente, estes pacientes mostram-se paranoicos, estabelecem constantemente testes e recolhem provas para determinar se os outros são dignos de confiança.
Objetivos do tratamento
O principal objetivo do tratamento é ajudar os pacientes com esquema de desconfiança/abuso a compreender que, embora algumas pessoas não sejam dignas de confiança, muitas outras o são. Ensinamos-lhes que a melhor forma de viver é manter-se o mais longe possível de pessoas abusivas, defender-se quando necessário e concentrar-se em aproximar-se daqueles que merecem confiança.
Os pacientes que já superaram um esquema de desconfiança/abuso aprenderam a distinguir entre as pessoas que são dignas de confiança e as que não o são. Aprenderam que existe um espectro de confiabilidade: aqueles em quem vale a pena confiar não precisam de ser perfeitos, apenas "suficientemente confiáveis". Com essas pessoas, os pacientes aprendem a comportar-se de forma diferente, dispostos a dar-lhes o benefício da dúvida, sendo menos defensivos e desconfiados, deixando de realizar testes e de enganar os outros porque esperam ser enganados. Com as pessoas que se tornam seus parceiros amorosos ou amigos próximos, os pacientes passam a ser mais autênticos, partilhando muitos dos seus segredos e dispondo-se a mostrar vulnerabilidade. Descobrem que, ao se comportarem de forma aberta, as pessoas confiáveis geralmente tratam-nos bem em retorno.
Principais estratégias do tratamento
No caso do abuso infantil, a relação terapêutica é crucial para o sucesso da terapia. No centro da experiência do abuso na infância estão sentimentos de terror, desamparo e isolamento. Idealmente, o terapeuta fornece ao paciente o antídoto a esses sentimentos. No centro da experiência terapêutica estão sentimentos de segurança, fortalecimento e reconexão.
Com pacientes que sofreram abuso na primeira infância, o terapeuta deve trabalhar para estabelecer segurança emocional. Pretende-se criar um espaço seguro para que os pacientes possam contar a sua história de abuso, pois a maioria dos sobreviventes sente-se ambivalente em relação a isso: por um lado, querem falar sobre o que aconteceu; por outro, querem esconder. Muitos destes pacientes alternam entre esses dois estados, assim como entre sentir-se sufocados e emocionalmente insensíveis (uma característica comum na perturbação de stress pós-traumático). Espera-se que, no final da terapia, a maior parte dos segredos traumáticos do paciente tenha sido revelada, discutida e compreendida. (O terapeuta deve ter cuidado para não sugerir ou pressionar subtilmente o paciente a recordar memórias de abuso que nunca aconteceram.)
Cognitivamente, o terapeuta ajuda a reduzir a hipervigilância do paciente em relação ao abuso. Os pacientes aprendem a reconhecer o espectro de confiabilidade e trabalham para alterar a visão muito comum que têm de si próprios como pessoas sem valor e responsáveis pelo abuso (uma combinação dos esquemas de desconfiança/abuso e defectividade). Deixam de justificar o abusador e colocam a culpa onde ela realmente pertence.
Em termos vivenciais, os pacientes revivem as memórias de infância relacionadas com o abuso através de imagens mentais. Como este processo é geralmente desconfortável, os pacientes necessitam de uma preparação adequada e de tempo para o realizar. O terapeuta aguarda até que o paciente esteja pronto. Libertar a raiva é central neste trabalho vivencial, especialmente em relação às pessoas que os abusaram na infância, em vez de continuar a dirigir essa raiva às pessoas presentes ou a si próprios. Nas imagens mentais do abuso infantil, os pacientes expressam todas as emoções sufocadas da época. O terapeuta entra nessas imagens e confronta o abusador, protegendo e confortando a criança que sofreu o abuso. Isto ajuda o paciente a interiorizar o terapeuta como um cuidador confiável e eficaz. Com o tempo, o paciente entra nas imagens mentais na posição de adulto saudável e faz o mesmo, enfrentando o abusador, protegendo e confortando a criança. Os pacientes também trabalham com imagens mentais para encontrar um lugar seguro, longe do abusador. Pode ser uma imagem antiga do paciente ou uma criada em conjunto com o terapeuta, como uma cena natural bonita, com luzes e cores, que o ajude a acalmar. Por fim, visualizam-se a si próprios a serem abertos e autênticos com pessoas importantes que merecem a sua confiança. Mais uma vez, o principal motor do tratamento é, primeiramente, ajudar os pacientes a distinguir claramente entre as pessoas do passado que merecem a raiva e as do presente que não a merecem; e, em seguida, ajudar os pacientes a expressar essa raiva durante as sessões de terapia em relação às pessoas do passado que a merecem, enquanto tratam bem as que estão na sua vida atual e os tratam bem.
Do ponto de vista comportamental, os pacientes aprendem gradualmente a confiar em pessoas honestas. Aumentam o nível de intimidade com as pessoas mais próximas. Quando for apropriado, partilham segredos e memórias de abuso com o seu parceiro amoroso ou amigos íntimos. Podem considerar participar em grupos de apoio para sobreviventes de abuso. Escolhem parceiros que não sejam abusivos. Deixam de maltratar os outros e estabelecem limites perante pessoas abusivas. Tornam-se menos punitivos quando outros cometem erros. Em vez de evitar relacionamentos e permanecer isolados, ou manter distância emocional, permitem que as pessoas se aproximem e se tornem íntimas. Deixam de recolher provas e manter registos das coisas que os outros fizeram para os magoar. Deixam de testar constantemente as pessoas nas suas relações para ver se podem confiar nelas. Deixam de se aproveitar dos outros, fazendo com que estes reajam da mesma forma.
Os relacionamentos íntimos do paciente constituem um foco importante no tratamento. Aprende a confiar mais e a comportar-se de forma adequada com pessoas próximas, como parceiros amorosos, amigos e colegas de trabalho (pressupondo que a outra pessoa é confiável). Os pacientes tornam-se mais seletivos, tanto na escolha de quem escolhem como em quem confiam. É frequentemente útil envolver o parceiro na terapia, para que o terapeuta possa ajudar o paciente a reconhecer mal-entendidos. Alguns pacientes com este esquema tornam-se tão abusivos que maltratam seriamente os outros e necessitam que o terapeuta sirva de modelo de moralidade e estabeleça limites claros. Fazer com que os pacientes deixem de maltratar outras pessoas é um objetivo comportamental fundamental.
No que diz respeito à relação terapêutica, o terapeuta procura ser o mais honesto e verdadeiro possível com o paciente, discutindo regularmente questões de confiança e qualquer sentimento negativo que o paciente possa ter em relação a ele. O terapeuta avança devagar, adiando o trabalho vivencial até construir confiança suficiente. O fortalecimento do paciente é um princípio fundamental do tratamento deste esquema. O terapeuta visa restaurar no paciente um sentido de self forte, ativo e capaz, que foi quebrado pelo abuso. Incentiva a independência e confere ao paciente uma ampla autonomia no controlo do seu próprio tratamento.
O abuso rompe o vínculo entre o indivíduo e os outros seres humanos. A pessoa é arrancada do mundo dos relacionamentos comuns e lançada num pesadelo. Durante o abuso, a vítima sente-se completamente só e, depois, desligada e afastada dos outros. O mundo real dos relacionamentos atuais parece nebuloso e irreal, enquanto as memórias da relação com o abusador são vívidas e claras. (Em The Bell Jar [no Brasil, A Redoma de Vidro], Sylvia Plath [1966, p. 278] escreveu: "Para a pessoa na redoma de vidro, vazia e paralisada como um bebé morto, o próprio mundo é um sonho mau.") O terapeuta funciona como intermediário entre o sobrevivente do abuso e o resto da humanidade, servindo como uma embarcação pela qual o paciente se reconecta com o mundo normal. Ao conectar-se com o terapeuta, o paciente reconecta-se com a humanidade.
Adaptando uma expressão de Alice Miller, o terapeuta esforça-se por ser uma "testemunha esclarecida" da experiência de abuso do paciente (Miller, 1975). À medida que o paciente conta a sua história, o terapeuta escuta com uma presença forte e não julgadora. Disponibiliza-se para partilhar a carga emocional do trauma, seja qual for. Por vezes, o terapeuta tem de testemunhar a vulnerabilidade e desintegração do paciente em condições extremas, ou a capacidade do abusador para causar mal. Além disso, a maioria dos sobreviventes de abuso enfrenta questões morais, assombrados por sentimentos de vergonha e culpa relativamente ao que fizeram e sentiram durante o abuso. Querem compreender a sua responsabilidade pelo que lhes aconteceu e chegar a um julgamento moral justo sobre a sua conduta. O papel do terapeuta não é dar respostas, mas sim criar um espaço seguro para que os pacientes encontrem as suas próprias respostas (corrigindo distorções negativas ao longo do processo).
Através da "reparação parental limitada", o terapeuta procura estabelecer uma conexão com o paciente. Em vez de se relacionar como um especialista impessoal, é uma pessoa real que se preocupa com ele e em quem ele pode confiar. O facto de o terapeuta tentar criar um vínculo emocional próximo não significa que ultrapasse os limites da relação terapeuta-paciente; pelo contrário, os limites oferecem um espaço seguro para o desenvolvimento do trabalho de cura. Manter-se dentro destes limites é essencial para terapeutas que trabalham com sobreviventes de abuso, pois o trabalho pode ser emocionalmente exigente. Tratar estes sobreviventes é confrontar verdades sombrias sobre a fragilidade humana e o potencial das pessoas para fazer mal.
Em casos graves, pode demorar muito tempo até que pacientes com esquema de desconfiança/abuso confiem no terapeuta, ou seja, confiem que ele não os irá magoar, trair, humilhar, abusar ou mentir. Dedica-se uma parte significativa da terapia a ajudar o paciente a reconhecer todas as formas como interpreta erroneamente as intenções do terapeuta, guarda segredos importantes e evita a vulnerabilidade. O objetivo é que os pacientes interiorizem o terapeuta como alguém em quem podem confiar, talvez a primeira pessoa boa e forte nas suas vidas.