Como Aprendemos a Sobreviver às Nossas Feridas Emocionais?
Na Terapia do Esquema, uma das perguntas mais comuns dos pacientes é:
"Se já sei que este padrão me magoa, porque continuo a repeti-lo?"
É uma questão profundamente humana — e a resposta está muitas vezes nos estilos de coping, ou estratégias de sobrevivência emocionais, que desenvolvemos ao longo da vida. São formas de nos protegermos da dor provocada por esquemas mal-adaptativos precoces — padrões emocionais e cognitivos que têm origem em experiências significativas da infância ou adolescência, especialmente quando as nossas necessidades emocionais fundamentais não foram satisfeitas.
Neste artigo, explico como funcionam estes estilos de coping, porque são tão resistentes à mudança, e como os podemos transformar ao longo do processo terapêutico.
Porque é tão difícil mudar os nossos esquemas?
Os esquemas mal-adaptativos tendem a ser teimosos e persistentes. Isto acontece porque:
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Filtram a forma como vemos o mundo — damos mais atenção às experiências que confirmam os nossos esquemas e ignoramos as que os contradizem.
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Influenciam as nossas relações — somos atraídos por pessoas e situações que ativam os nossos esquemas, mesmo quando estas nos fazem sofrer.
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Geram emoções intensas — medo, vergonha, tristeza ou culpa, levando-nos a agir de forma automática para nos protegermos.
Por exemplo, uma pessoa com um esquema de Defetividade/Vergonha pode sentir que não é suficientemente boa, mesmo quando recebe elogios. Pode até pensar: "Se me conhecessem verdadeiramente, deixariam de gostar de mim."
E o que fazemos para lidar com esta dor emocional? Desenvolvemos estilos de coping, que funcionam como "armaduras" para lidar com a activação dos nossos esquemas.
Os 3 grandes estilos de coping
Jeffrey Young, o criador da Terapia do Esquema, identificou três formas principais de reagir aos esquemas:
1. Resignação ao esquema (schema surrender)
A pessoa acredita completamente no esquema e age como se ele fosse verdade.
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Exemplos:
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Alguém com um esquema de Abandono escolhe repetidamente parceiros indisponíveis.
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Alguém com um esquema de Subjugação anula as suas próprias necessidades para evitar conflitos.
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2. Evitamento do esquema (schema avoidance)
A pessoa evita pensar, sentir ou entrar em contacto com situações que possam ativar o esquema.
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Exemplos:
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Evitar relações íntimas para não correr o risco de ser rejeitado(a).
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Usar álcool, drogas, trabalho excessivo ou distracções constantes para "anestesiar" emoções.
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3. Sobrecompensação do esquema (schema overcompensation)
A pessoa reage fazendo o oposto do que o esquema diz, tentando esconder a dor ou provar que o esquema não se aplica.
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Exemplos:
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Alguém que se sente inferior (esquema de Defetividade) torna-se arrogante ou excessivamente crítico dos outros.
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Alguém com um esquema de Desconfiança/Abuso torna-se controlador ou hiper-vigilante para não ser magoado.
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Estes estilos de coping nem sempre são conscientes — muitas vezes, são reações automáticas e profundamente enraizadas, que começaram ainda na infância.
Como estes estilos nascem (e porque continuam)
Os estilos de coping são inicialmente tentativas inteligentes e adaptativas de sobreviver emocionalmente a ambientes difíceis.
Imagine uma criança que, sempre que os pais discutem, se refugia no quarto com os livros. Esta foi uma solução eficaz na altura para se proteger. Mas, se continuar a evitar situações emocionais ou relações significativas na vida adulta, poderá sentir-se cada vez mais só e emocionalmente vazia — sem perceber porquê.
Aquilo que foi uma solução na infância, torna-se uma prisão emocional na vida adulta.
E quando usamos mais do que um estilo?
É importante saber que podemos usar diferentes estilos de coping em diferentes contextos. Por exemplo:
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Uma pessoa pode ser submissa com o chefe (redignação) e arrogante com os colegas (sobrecompensação).
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Pode evitar relações durante anos, mas render-se ao primeiro parceiro que a trate mal, apenas por medo de ficar sozinha.
Ao longo da vida, os estilos também podem mudar. Muitas pessoas começam por se render ao esquema (escolhem parceiros que as fazem sentir rejeitadas), e depois de várias experiências dolorosas, passam a evitá-las completamente, convencidas de que o amor "não é para elas".
A chave está na consciência — e na mudança
Na Terapia do Esquema, trabalhamos para:
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Identificar os esquemas e os estilos de coping associados
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Compreender a origem dessas estratégias e o seu impacto atual
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Ajudar o paciente a desenvolver formas mais saudáveis de responder às suas emoções e necessidades
Este trabalho é feito com empatia, validação e firmeza, respeitando o ritmo de cada pessoa, mas também desafiando os padrões que já não fazem sentido.
Um exemplo concreto
Pense na "Judite" (nome fictício). Quando era criança, os pais discutiam constantemente. Ela aprendeu a desaparecer emocionalmente, mergulhada nos livros. Hoje, evita tudo o que envolva intimidade — e sente-se sozinha, incompreendida, e desconectada.
O que começou como uma tentativa de se proteger, tornou-se uma barreira entre ela e os outros.
Na terapia, ajudamos a Judite a reconhecer este padrão, validar a sua dor e, passo a passo, a abrir espaço para relações mais seguras e significativas.
Em resumo
Os estilos de coping são formas automáticas de lidar com o desconforto provocado pelos nossos esquemas — mas, com o tempo, tornam-se parte do problema.
Entender como cada um de nós responde à dor emocional é um passo essencial para a mudança duradoura.
Se sente que está preso(a) em padrões que o(a) afastam da sua autenticidade, das suas relações ou da sua paz interior, não está sozinho(a). A Terapia do Esquema pode ajudá-lo(a) a construir uma nova forma de estar consigo mesmo(a) e com o mundo.